terça-feira, 7 de outubro de 2014

quando um de nós cai

"Eu era alegre como um rio,
um bicho, um bando de pardais;
Como um galo, quando havia...
quando havia galos, noites e quintais.
Mas veio o tempo negro e, à força, fez comigo
o mal que a força sempre faz.
Não sou feliz, mas não sou mudo:
hoje eu canto muito mais"

Belchior - Galos, noites e quintais | Coração Selvagem


E aí, Chico!? Levanta daí, amigo. Cadê você tocando violão, escrevendo e recitando poesia, mostrando música nova ou comentando a leitura de mais um autor da filosofia? Cadê a tua meditação silenciosa no quarto, o incenso, a canga de Shiva, o cobertor enrolado no corpo? Os planos, as viagens astrais e geográficas? Aquela comida que você fazia lotada de curry com tudo misturado? O jeito como você sorria, como você cantava? A tua dança... Chico!! Levanta daí, rapaz, que a gente tá te esperando pro Sarau. Vai logo, Chico! Cadê teus livros, tuas cuecas samba-canção? Cadê, Chico? E o meu maior desespero nessa segunda de manhã em Ribeirão Preto foi saber que você não ia se levantar, meu amigo. Você não ia uma vez mais dizer que a política não vale a pena; que é outra história. A gente não vai terminar a leitura de Assim falava Zaratustra juntos.

Quando um de nós cai... A gente se pergunta quem será o próximo. Se pergunta o que foi que aconteceu? Como aconteceu? Por que? O que sobra de nós? Fica o sentimento de que alguma coisa está escorrendo pra lá e pra cá entre todo mundo e as paredes não revelam. O que é essa tristeza que nos acomete, o que fazemos pra superar? Qual é a bendita razão de estar aqui?


O Chico me falava dos seus amores. A Kim, a Natana, a Carol, a Luana. 2011! Que ano foi aquele!? Ele não sabia o que querida do amor, como todos nós. Não soube fazer os amores durarem, não conseguiu ficar com alguém por muito tempo desde que nos conhecemos. Mas sabia se desprender, sabia seguir seu próprio curso. Ensinou, aprendeu e marcou pra sempre a minha vida e a vida das suas paixões.

Quando um de nós cai... Fica o vazio, o desamparo, o desterro. Essa guerra da pessoa no mundo tentando governar a si mesmo. Tentando escapar de uma brecha, uma cilada e seguir em frente. Tocar a vida! São só palavras, o Chico diria. Universo? Fé? Deus? Dor? Ele me mostrou a espiritualidade, mostrou o Osho, o Prem Baba, o conhecimento de si. Eu acabei ficando com o cuidado de si e os pós-estruturalistas. Nenhum de nós chegou a nenhuma explicação e ficamos fatalmente separados pela política.


Mas o Chico também falava do trabalho. Não gostava muito, acho, como eu. Nunca se encontrou, como eu. Ele tentava fazer entrevistas, procurava coisas, fazia trabalho braçal. E a gente cozinhava muito macarrão muitas vezes como em toda república de estudante universitário. Ele conseguiu ser expulso de um estágio "voluntário" (huahuahua). O Chico é uma figura. Um gênio. E que gênio ele tinha. Desaparecia do nada, as vezes não queria conversar. As vezes acordava de manhã ou me interpelava no meio da madrugada perguntado algo do tipo: "você acha que o ódio pode fazer alguém amar?". E eu sempre precisava entender primeiro o que ele tava querendo saber. E as vezes em que eu chegava do rolê às 5h da manhã e ele tava lá lendo Nietzsche; A Gaia Ciência, Ecce Homo, O Anticristo.

Quando um de nós cai... A porra da universidade continua. Com seus malditos interesses ridículos e a maldita ordem e a maldita reposição de aulas continua como já disse outro amigo. Continuam os vilões, os professores que se vendem, que controlam, que confundem, que misturam, que articulam por trás. Continua também a nossa terrível ausência estudantil. Continua a falta de vida da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. A gente continua medíocre. Coisa que nem eu e nem o Chico queríamos aceitar, cada uma a seu modo.


E o Chico cantava sobre o tempo. Cantava Oração ao Tempo quase todos os dias uma época. Eu pedia pra ele tocar. E pedia pra tocar Tigresa também. Eu lembro dele gritando-quase-em-dor-tão-bonita: "não volte pra casa que aqui é triste, não volte pro mondo onde você não existe". E certa vez ele e a Paula numa meditação inusitada fizeram a louca da vizinha chamar a polícia: trez viaturas, doze policiais e a investigação na casa que de ilegal só tinha mesmo as placas de rua; nenhum assasitado, nenhuma droga.

O que você esperava meu amigo? Andando pelos corredores do CRUSP dá a impressão que de repente você vai surgir com uma roupa estranha e uma nova história maluca pra me contar. A Paula me falou que quando te conheceu você tava comendo uma flor. Chico, eu não vou te esquer nunca. Vá em paz. Conhece o outro lado. E se conseguir, vem tocar Tigresa pra mim uma última vez?!


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