segunda-feira, 19 de agosto de 2013

radical passionalidade

Falo dessa radical passionalidade. Da força daquilo mesmo que destrói os laços. Que lança trevas mais ainda na profunda ausência cotidiana. São erros cheios de força. São rupturas na ordem natural dos fatos. O que imprime vida a esses movimentos repetidos? Lapsos, transbordando fúria e violência. Ninguém supõe coragem na ousadia do vilão. Virada a mesa dos valores, jogados a própria sorte, humanos sem amparo, submersos em suas inacreditáveis contradições. Por favor, desses líquidos não me dê de beber, suspenda o caldo corrosivo. O mundo é cheio de ódio e ciladas inesperadas. Cuidado.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

bloco Do eu sozinho

A implosão é minha única lei. Destruir com uma força florida a divina lacuna das minhas amargas solidões. Adoecer o abstrato, enraizar no concreto. Prosas de prosas das mil poesias. Beijos e carinhos nos pés e nas mãos. Fúria galopante de imensos quintais, esses trocados entre nós. A amizade dispersa, os encontros de poucos segundos, tão eternos e para sempre. Pela lei do minuto um confuso cordão. De bloco em bloco se destroça a muro. Extingua-se, misture-se, fabrique novos poderes, iguais e diferentes. Encontre sua ficção provisória.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Tudo tem uma parte de dia sem sol


Tu eras uma bailarina cega, deslizando soniferamente por imensos degraus de saudade – tuas mãos se acostumaram a deitar obscuras nas curvas do dia seco. O dia era seco, e seco também era teu silêncio.

Vi o gesto cansado que teus olhos turvos ofereceram ao vazio da sala. Pude ver teu desespero e teu ódio se afogarem num mar de gargalhadas calmas. Vi a ponte que se lançou quando tu abriste as cortinas novas, as pálpebras que remexiam na gaveta carente, o medo que te humilhou quando tuas costas clamaram pelo berço.
                Senti o gosto de madeira que tua língua jogou em meus ouvidos, a insegurança dos teus dedos tocando a terra virgem, o calado festival dos seios inundando o banheiro já frio de sentidos.

                Tu não estavas morta e estais aqui agora sustentando com fidelidade o fardo de ser o que sofre – e também o que se deleita. O gosto palpita, o queixo ignora a sensação serena de desabar sentada sem nada dizer.
                Tu estás inteira, mas inteira em parte porque teus sonhos desembocam em caminhos tortuosos, porque teus braços tremem de insegurança, pois o calor recebe a flecha bruta e intolerante.

                Sei. Alguma fantasia se esconde debaixo das tuas lindas sobrancelhas, tenho certeza que no leito que tu esperas caberá mais paixão que o suor dos teus ombros imunes.
                Vejo os tropeços e arranhões, mas é a doce sensação de andar com outros pés ao lado que te causam a maior saudade, e são as lágrimas que sempre querem merecer teu rosto.

                E o amor, que enfeita a pele com açúcar e cerejas, não precisa ser aquele de moedas, de couro. Pode estar tímido e distante como uma criança estranhamente enferma. Estará na nossa claridade e não nas lágrimas, no inocente gemido do corpo quando acorda.
                Mas se meu consolo e tua calmaria são a lama viva de um vulcão podemos envelhecer os pêlos de um jeito mais lindo. Pois viemos da terra quente, do fundo. Teu medo, meu medo, não estarão calados, não seremos cúmplices de tamanha destruição.

                Nossas bocas não se aquietarão diante da anarquia e discórdia. Há de ser o sinal do balanço perfumado que os filmes editados da memória representam: a areia doce e a flor de chocolate!
                Eis que a vida lança em nossos quintais uma cilada traiçoeira que engorda a seiva da inconclusão. Entramos de certo ângulo a engrossar o cânhamo, a fadigar as canelas.

                As coisas da tua sina são os mesmos batuques do meu atormento. Navegamos nas mesmas turbulentas águas, traçamos a mesma rota – e demos a caçoar do mapa.
                E eis que tudo se faria agora – presente, neste instante, em alguma direção: a natureza triunfante dos corpos se enfrentando em pleno dezembro. Deste choque corpulento gerou-se uma manhã branda e cristal, em que eras “uma pequena” a sorrir num vestido branco com girassóis dourados estampados e eu era um “cavaleiro andante” a desbravar mais um cômodo da casa.

                Teu sermão era pequeno e meu egoísmo grande – na brutalidade das diferenças o tempo constrói as nossas roupas. Abraçamos a mesma almofada colorida, pintamos com o mesmo pincel, só não demo-nos as mãos, pois estávamos ocupados em acariciar os mesmos calcanhares de outrem.
                Somos sujos e fiéis. Improváveis, cruéis e vulgares. E também somos o caldo explosivo e descompassado dos anos dourados.
               
                A natureza me impressiona mais do que a beira da terceira margem.
                Quero descansar meus livros no teu colo.

                Tu me deixarias entrar descalço em teus cabelos?


Mateus Moisés
Setembro de 2009.


Publicado originalmente em: comartejr.com.br/originais em novembro de 2012. 8ª Edição da Revista Literária Originais Reprovados.